Trato gastrointestinal está relacionado com a resistência à insulina
Publicado por: Camila Delmondes
07 de outubro de 2015

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Elton Alisson, de Buenos Aires | Agência FAPESP – O trato gastrointestinal está relacionado com a resistência à insulina apresentada por obesos e pacientes com diabetes tipo 2 – o tipo mais comum de diabetes.

A constatação é resultado de uma série de estudos realizados por diferentes grupos no mundo e corroborada por pesquisadores do Instituto Nacional de Obesidade e Diabetes – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e do Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade e Doenças Associadas – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.

Alguns dos resultados dos estudos foram apresentados em um painel sobre saúde durante a FAPESP Week Buenos Aires, realizada entre os dias 7 e 10 de abril na capital argentina pela FAPESP em parceria com o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas (Conicet).

“Estamos constatando que, além do sistema nervoso central, dos músculos, do fígado e do tecido adiposo, entre outros órgãos, o trato gastrointestinal aparentemente também está envolvido na resistência à insulina”, disse Mário Saad, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FMC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Agora estamos começando a entender que o controle da obesidade e do diabetes tipo 2 deve começar pelo trato gastrointestinal”, afirmou o pesquisador, que coordenou o projeto do INCT.

De acordo com Saad, a resistência à insulina em nível molecular ocorre quando esse hormônio produzido pelo pâncreas – e que promove a entrada de glicose (açúcar) nas células e atua no metabolismo de lipídeos (gordura) e proteínas – não consegue transmitir adequadamente seu sinal às células e ativar um receptor que fosforila (adiciona um grupo fosfato) as proteínas IRS1 e IRS2 em tirosinas.

Ao serem fosforiladas em tirosinas, essas duas proteínas ativam uma família de enzimas envolvidas em funções celulares, chamadas PI 3. Essas enzimas ativam a proteína AKT, que está envolvida na captação de glicose pelas células, entre outras funções, explicou Saad.

“Os efeitos desencadeados pela insulina de aumentar a captação de glicose no tecido muscular, aumentar a síntese de lipídeo no tecido adiposo e bloquear glicogênese [nova formação de açúcar] no fígado dependem, basicamente, desses mecanismos de ativação do receptor de insulina nas células e da fosforilação em tirosina da IRS1 e IRS 2 e da AKT em quinase”, detalhou.

Os pesquisadores observaram, em experimentos realizados com camundongos obesos, que o tecido adiposo dos animais produz interleucinas e ácidos graxos, entre outros compostos, que ativam proteínas serinas quinases.

Ao serem ativadas, essas proteínas serinas quinases fosforilam as proteínas IRS1 e IRS2 em serinas, fazendo com que sofram mudanças conformacionais e não consigam mais interagir com o receptor de insulina para serem fosforiladas em tirosinas.

“A resistência à insulina em nível molecular nada mais é do que a fosforilação prévia das proteínas IRS1 e IRS2 em serinas”, afirmou Saad.

Papel da microbiota

A fim de avaliar quanto tempo leva para um animal desenvolver resistência à insulina, os pesquisadores do grupo de Saad realizaram um experimento em que submeteram camundongos a uma dieta hiperlipídica (com grandes quantidades de gordura).

Os resultados do estudo indicaram que após três dias os animais já desenvolviam resistência ao hormônio.

“Os animais desenvolveram resistência à insulina antes de tornarem-se obesos, o que indica que esse quadro precede a obesidade”, apontou Saad. “Os músculos dos animais captaram menos glicose após o início da dieta hiperlipídica”, afirmou.

Segundo o pesquisador, as proteínas IRS1 dos animais que receberam dieta hiperlipídica foram menos fosforiladas em tirosina e a AKT também foi menos ativa.

“Em três dias de dieta hiperlipídica o animal já passa a apresentar uma situação de resistência à insulina em que o hormônio não consegue transmitir de maneira adequada o sinal para as células”, ressaltou.

Uma das possíveis chaves identificadas pelos pesquisadores para explicar por que os camundongos que receberam dieta hiperlipídica desenvolveram resistência à intolerância antes de tornarem-se obesos é um lipídeo chamado LPS.

Encontrado na membrana de bactérias gram-negativas da microbiota intestinal dos mamíferos, esse lipídeo é capaz de ativar proteínas serinas quinases que fosforilam as proteínas IRS1 e IRS2 em serinas, induzindo a resistência à insulina, explicou Saad.

O consumo de dieta hiperlipídica durante três dias causou um aumento nos níveis de circulação e na absorção de LPS pelas bactérias gram-negativas da microbiota intestinal dos animais, revelaram experimentos realizados pelo grupo do pesquisador.

“Ao dar uma dieta hiperlipídica para os animais, nós, aparentemente, modulamos sua microbiota intestinal”, disse. “A modulação causou o aumento da absorção de LPS e, consequentemente, induziu à resistência insulínica antes de os animais desenvolverem obesidade”, contou.

A fim de confrontar os resultados, os pesquisadores realizaram outro estudo em que também alimentaram camundongos tratados com antibióticos para reduzir a microbiota e animais com flora intestinal com dieta hiperlipídica.

Os resultados do estudo, publicado na revista Diabetologia, mostraram que, após três dias de dieta hiperlipídica, os animais com flora intestinal desenvolveram resistência à insulina.

Já os camundongos tratados com antibióticos fosforilaram normalmente as proteínas IRS1 e IRS2 e ativaram a AKT, não desenvolvendo resistência insulínica.

“Os níveis de LPS nos animais tratados com antibióticos foram menores do que os dos camundongos com flora intestinal, o que demonstra que a microbiota é essencial para o desenvolvimento da resistência à insulina”, afirmou Saad.

Os pesquisadores também avaliaram os níveis de ácidos graxos de cadeia curta, como o acetato, que são produzidos pelas bactérias da microbiota intestinal, nos camundongos tratados com antibióticos e nos animais com flora intestinal que receberam dieta hiperlipídica.

As análises indicaram que os níveis desse composto – que ativa uma enzima, chamada AMPK, capaz de aumentar o transporte e a captação de glicose e aumentar a oxidação de lipídeos – foram menores nos camundongos com microbiota.

“O aumento dos níveis circulantes de LPS e, em contrapartida, a redução dos níveis de acetato contribuem para a instalação do quadro de resistência insulínica”, disse Saad.

Barreira intestinal

Segundo o pesquisador, os ácidos graxos de cadeia curta e toxinas produzidas pelas bactérias modulam proteínas do epitélio do trato gastrointestinal, alterando a permeabilidade da barreira intestinal.

A dieta hiperlipídica recebida pelos animais tratados com antibióticos reduziu a expressão de uma dessas proteínas – a ZO-1 –, que é importantes para o intestino absorver menos substâncias tóxicas indutoras de resistência insulínica.

“Estamos observando que, logo no início do desenvolvimento da obesidade e do diabetes tipo 2, há uma alteração na microbiota intestinal que é capaz de induzir a uma alteração na barreira do intestino e fazer com que a pessoa absorva mais substâncias tóxicas que vão induzir a resistência à insulina e menos substâncias que poderiam protegê-la da instalação desse quadro de saúde”, disse.

Os pesquisadores realizaram um estudo em humanos, com pacientes com Aids tratados com o coquetel de drogas para inibir o avanço do vírus HIV, para avaliar os níveis de LPS desse grupo populacional que costuma desenvolver resistência insulínica durante o tratamento da doença.

Os resultados das análises indicaram que os níveis de LPS nesses pacientes são tão elevados como os de pessoas obesas e com diabetes tipo 2.

“Os níveis elevados de LPS nesses pacientes com HIV indicam que eles têm uma alteração na microbiota e na permeabilidade da barreira do trato intestinal, que induz à resistência insulínica”, afirmou Saad. 



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