Saberes em diálogo: o ingresso dos estudantes indígenas no curso de Medicina
Publicado por: Camila Delmondes
29 de setembro de 2022

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O primeiro vestibular indígena da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi realizado em 2019. As primeiras duas vagas do curso de Medicina foram destinadas somente na edição de 2022, a partir de um processo seletivo que contou com 3.000 inscritos, sendo 344 destes para o curso médico. A formação médica dos primeiros acadêmicos indígenas da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) iniciará a partir de 2023, mas o percurso formativo foi antecipado já para agosto deste ano, a partir da oferta de disciplinas e discussões que vislumbram adaptações na dinâmica do curso para a melhor integração entre os diferentes saberes socioculturais.

Em entrevista ao site da FCM, as estudantes de graduação em Medicina, Branda de Oliveira e Giovana Pacheco, a estudante de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Marcela Maria Torres; a doutoranda do programa de pós-graduação em Clínica Médica, Kellen Natalice Vilharva; e os professores da FCM, Paulo Abati, Daniele Sacardo e Fernanda Surita – membros do Grupo de Trabalho (GT), responsável pelo acolhimento dos acadêmicos indígenas–, abordaram os aspectos gerais das discussões realizadas.

FCM Unicamp – Quais aspectos iniciais vocês destacam em relação ao percurso formativo indiciado no mês de agosto pelos acadêmicos indígenas do curso de Medicina?
GT Acadêmicos Indígenas – Avaliamos de forma muito positiva esse momento, pois ele antecede o início formal do curso, a partir de 2023, com a oferta das disciplinas (AM097) Diálogos Interculturais: Povos Indígenas e a Universidade, (LA085) Letramentos Acadêmicos, (EL112) Fundamentos Conceituais de Matemática Elementar, (EB986) Matemática Elementar para Universitários Indígenas, e (MD248) Ética II. Sendo esta última, oferecida com exclusividade aos alunos da FCM. É um momento rico de integração. A partir do próximo vestibular, essas disciplinas serão oferecidas em dois semestres, para todos os alunos ingressantes do vestibular indígena.

FCM Unicamp – Quais significados podemos depreender desse percurso formativo?
GT Acadêmicos Indígenas – O percurso formativo proposto para os próximos anos representa um amadurecimento da Universidade com relação à inclusão e à permanência dos povos indígenas na Unicamp. Foi construído coletivamente, atentando-se especialmente às demandas trazidas pelos alunos indígenas aqui presentes, relacionadas em especial à qualificação do acolhimento e da inclusão necessárias nos primeiros anos dos cursos de graduação dos nossos campi. As rotinas da universidade, as formas de adaptação às disciplinas e o suporte pedagógico, pautados a partir da perspectiva do diálogo intercultural, serão centrais para qualificar a inclusão e permanência estudantil indígena. Ademais, cabe refletirmos também a necessidade premente dos não indígenas presentes na universidade de realizarem seu próprio percurso formativo, baseado no conhecimento da história dos povos indígenas, no respeito às suas identidades, seus territórios e na garantia de sua inclusão e permanência na universidade pública.

FCM Unicamp – De que maneira podemos entender essas discussões sob o ponto vista da prática médica? Trata-se de reafirmar valores?
GT Acadêmicos Indígenas – Sim. A necessidade de formar médicos competentes para trabalhar com as complexidades multiculturais, como as comunidades indígenas, já foi reconhecida nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014. Ao iniciar o percurso formativo na disciplina de Ética, a FCM reafirma valores fundamentais na prática médica, tais como o profundo respeito à dignidade humana, o reconhecimento do universo de diferenças étnico-raciais presentes no território brasileiro, do pluralismo de concepções do processo saúde-doença-cuidado, das diversidades culturais e a necessidade do diálogo intercultural. A participação de estudantes indígenas no curso de medicina nos convoca, enquanto comunidade acadêmica, a um real encontro de saberes – mais horizontal e circular –, que não se configure como assimilação, integração ou imposição de uma racionalidade hegemônica sobre as outras.

FCM Unicamp – Como vocês avaliam, na atualidade, o papel da FCM na discussão da diversidade dos povos indígenas e diversidade dos saberes?
GT Acadêmicos Indígenas – Sob a perspectiva dos ingressantes indígenas, a universidade precisa estar preparada para acolher e reconhecer os saberes que cada aluno indígena traz consigo ao vivenciar o ambiente universitário. A cerimônia do cedro, realizada para receber os alunos indígenas ingressantes na FCM, representou esse encontro de saberes. O cedro é uma planta sagrada para a etnia Guarani Kaiowá, que tem propriedade para curar doenças físicas e possui propriedades de cura espiritual. Os indígenas dessa etnia fazem chá, banhos e plantam o cedro em seus quintais para que haja paz naquele ambiente. No percurso formativo, se reconhece que além de corpos indígenas, a potência epistemológica, representada na multiplicidade de conhecimentos presentes nos territórios originários, são colocados em diálogo. Caminhos reveladores da cura, da saúde e do bem viver assumem-se como ciência e consciência gestada nos territórios dos originários, como diz Célia Xakriabá: “nós somos a própria ciência e é por isso que não é só o corpo indígena entrando nas Universidades e sim grandes saberes de diferentes etnias, de vários cantos e biomas do Brasil e com essa diversidade vão aldeando e ressignificando as Universidades.”

A chegada dos primeiros acadêmicos indígenas da FCM aconteceu em agosto e foi marcada pelo plantio de uma muda de cedro-rosa nos jardins da faculdade. A cerimônia, repleta de simbolismo, contou com a participação de alunos, docentes e funcionários da FCM/Foto: Luis Fernando Tófoli

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