Medicina e poder e as relações entre Brasil e Alemanha
Publicado por: Camila Delmondes
07 de outubro de 2015

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A simbiose entre a corporação médica e agências estatais e privadas durante o período de 1919 a 1945, na Alemanha, principalmente no intercâmbio médico-científico, é o tema da palestra do historiador da USP e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz André Felipe Cândido da Silva na quinta-feira (27), às 14 horas, no anfiteatro da Comissão de Graduação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Felipe é convidado do Grupo de Estudos História das Ciências da Saúde (GEHCS) da FCM. Antes da palestra, Felipe concedeu entrevista sobre os estudos que vem desenvolvendo sobre as relações médico-científicas pela Alemanha com o Brasil e demais países da América Latina.

Por que você escolheu o período de 1919-1945 para falar sobre medicina e poder?
Felipe - Escolhi o período de 1919 a 1945 por abranger do pós-Primeira Guerra Mundial, com a assinatura do Tratado de Versalhes, até o final da Segunda, quando houve um engajamento bastante sistemático e orgânico da medicina nos países do eixo Norte-Atlântico (sobretudo Alemanha, França e Estados Unidos) com as dinâmicas de diplomacia cultural postas em ação com a finalidade de conquistar nichos de simpatia cultural entre as elites estrangeiras, entre as quais incluíram-se as da América Latina. 

Qual fato mais relevante do período se reflete na formação do médico atual?
Felipe - Se dirigirmos o foco para os excessos surgidos pelo comprometimento da corporação médica alemã com projetos de poder, acredito que um importante legado desse período para a formação médica foi o estabelecimento de regulações éticas mais firmes e sistematizadas, intensificando um debate em nível internacional e nacional sobre os limites da intervenção da medicina e os parâmetros que devem regular a prática médica do ponto de vista da ética.

O cientista é, muitas vezes, colocado sobre um pedestal – para o bem ou para o mal. Essa imagem é verdadeira?
Felipe - Uma das principais contribuições da recente historiografia social das ciências, da medicina e tecnologia tem sido mostrar como os cientistas são indivíduos movidos pelos mais variados tipos de interesses e compartilham de valores sociais, políticos e culturais do tempo em que exercem sua prática. Competem por crédito, autoridade, recursos e prestígio tanto quanto podem acreditar no caráter missionário e benfeitor da atividade científica e/ou médica. Essa humanização da figura do cientista permite trazer à luz as ambiguidades, conflitos e impasses que constituem o fazer científico, que dessa forma é retratado menos como um ofício neutro, realizado por indivíduos movidos pela busca à verdade e orientados pela razão e por um suposto método universalista, do que como uma prática que envolve negociações, articulação de interesses, construção de redes de patronagem e viabilização de agendas cognitivas, sociais e políticas. Além de desconstruir a figura do gênio isolado ou do herói mitificado, tal imagem enfatiza os constragimentos sociais e políticos da atividade médico-científica, permitindo à sociedade como um todo identificar e debater os dilemas éticos e os supostos vieses que cercam esta prática.

Qual é o maior poder da medicina?
Felipe - Ao meu ver, a medicina no mundo contemporâneo reveste-se de um crescente poder discursivo e disciplinar sobre os mais variados aspectos ligados ao indivíduo, ao seu corpo e aos hábitos cotidianos. A infância, o crescimento, o envelhecimento e a morte parecem cada vez mais submetidos a uma lógica medicalizadora e a dinâmicas intervencionistas. Em muitos casos, uma medicalização excessiva induz a uma alienação do indivíduo, ao passo que uma lógica por demais tecnicista e tecnocrática compromete na minha opinião a dimensão humanitária e humanizante da prática médica. 



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