Livro sobre educação inclusiva é finalista do Prêmio Jabuti
Publicado por: Camila Delmondes
20 de outubro de 2017

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Autora é professora do curso de Fonoaudiologia da FCM

O livro Educação inclusiva: para todos ou para cada um? Alguns paradoxos (in)convenientes, da psicóloga e professora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Kelly Cristina Brandão da Silva, é um dos finalista do Prêmio Jabuti na categoria Educação e Pedagogia. A obra corresponde à tese de doutorado, defendida por Kelly em maio de 2014, na Faculdade de Educação da USP. O livro foi publicado pela editora Escuta com apoio da FAPESP. O resultado final será divulgado em 31 de outubro.

Para discutir o processo de implementação da Educação Inclusiva no Brasil, sobretudo da Educação Especial e do saber especializado, a autora optou pela seleção e análise da legislação federal na forma de Leis, Decretos, Portarias e Resoluções. Kelly também utilizou matérias publicadas na revista Nova Escola, de 1994 a 2012. “A revista é subsidiada por meio de parcerias com o Governo Federal e distribuída gratuitamente às escolas públicas brasileiras. Os professores são vorazes consumidores dessas ideias”, explica Kelly.

Toda pesquisa documental foi comparada com alguns pressupostos psicanalíticos, de Freud e Lacan, e filosóficos, de Hannah Arendt e Walter Benjamin. De acordo com Kelly, o desdobramento do texto respeitou a ética da psicanálise ao indicar que o processo de implantação da educação inclusiva no Brasil tem infinitos enunciados anônimos, protocolares e politicamente corretos.

“A questão que incide no espaço escolar de forma contundente na atualidade concerne ao fato da Educação, cada vez mais, prescindir da dimensão artística e privilegiar a dimensão técnica. E isso se torna mais problemático no que tange aos alunos especiais. A Educação precisa ser considerada como arte, e não meramente como técnica a ser aplicada e replicada”, argumenta Kelly, que concedeu a entrevista abaixo ao Portal da FCM:

Portal FCM: Como surgiu o tema do livro?
Kelly Cristina Brandão da Silva: O livro é fruto da minha tese de doutorado em Educação, defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Inicialmente, eu tinha a pretensão de discutir as vicissitudes da inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas. Entretanto, os primeiros achados relativos à análise de documentos jurídicos acerca da Educação Inclusiva fomentaram novas indagações.

Portal FCM – E quais foram essas novas indagações que surgiram?
Kelly Cristina – Dentre elas, uma se destacava: se a educação inclusiva tem como prerrogativa a inclusão de todos os alunos no ensino regular, por que o termo especial tem tanto destaque? A partir da constatação desse revelador paradoxo – o especial no lugar da inclusão – escolhi me debruçar sobre o tema. Logo apontaram novas interrogações: a educação inclusiva realmente instala um novo paradigma? A lógica clássica da educação especial foi ultrapassada? Aos poucos a pesquisa foi se delineando e o principal objetivo pôde ser definido: discutir as vicissitudes e contradições que se destacam no processo de implementação da Educação Inclusiva no Brasil, com ênfase no papel atribuído ao especial e ao especialista. 

Portal FCM – Quais são os paradoxos sobre educação inclusiva abordados na publicação?
Kelly Cristina – Alguns  paradoxos são discutidos, tais como, a histórica aliança entre Medicina, Psicologia e Pedagogia; a exigência de especialização na formação e atuação do chamado professor inclusivo; o excesso de regulação protocolar nos laços entre professores e alunos, além da exacerbação da parceria entre escola e família. Ao longo da pesquisa foi possível evidenciar que a inclusão escolar no Brasil tem sido idealizada enquanto um imperativo, o qual obedeceria a um pragmatismo técnico que exacerba uma obsessão pelo outro.

Portal FCM – Então, qual o significado de incluir de acordo com a pesquisa?
Kelly Cristina – Incluir, nessa perspectiva, significaria apreender o outro, gerir suas ações, definir seu espaço e dar-lhe um nome. Ações de aproximação e conhecimento do diferente, as quais implicam em uma classificação minuciosa e detalhada. O aluno em questão, reduzido ao significante incluído, tornar-se-ia totalmente compreensível graças à captura e aprisionamento da sua singularidade por um discurso tecnocientífico. 

Portal FCM – Como a medicina e a psicologia mediaram a construção das ideias de inclusão que invadem o espaço escolar?
Kelly Cristina – Ao considerar a história da Educação Especial no Brasil, nota-se de forma preponderante a confluência entre os campos da Medicina e da Psicologia na definição do atendimento escolar especializado, em instituições exclusivas. Aqueles alunos que não se adequavam aos ideais da escola regular recebiam um diagnóstico que, mais cedo ou mais tarde, determinaria sua exclusão da escola regular. Interessante destacar que os especialistas de outrora, médicos e psicólogos, agora são chamados em nome da inclusão. Um trabalho de inclusão que, de forma paradoxal, faz-se necessário justamente porque os mesmos especialistas, anteriormente, corroboraram a exclusão do ensino regular. O tempo passa, novas leis são criadas, mas a relevância do saber especialista parece não ceder. Apesar da pretensão de uma reestruturação no sistema de ensino, observam-se nos atuais ideais da inclusão a perpetuação de uma visão clínica notadamente influenciada pelo discurso médico; uma atenção exacerbada ao distúrbio; a preocupação constante com o diagnóstico e a consequente classificação dos alunos e a necessidade do saber especialista.

Portal FCM – No livro, você aponta que os educadores são meros replicadores do tecnicismo pedagógico. Como reverter isso?
Kelly Cristina – Cada vez mais exige-se do chamado professor inclusivo que ele conheça e aplique os procedimentos técnicos das áreas da Saúde. De forma gradual e sistemática a autoridade do professor vai sendo subtraída. Sua formação docente vai se constituindo  progressivamente a partir do arsenal do saber especializado e, como consequência, seu trabalho em sala de aula não pode mais prescindir da supervisão sistemática e clínica dos especialistas. A exacerbação do tecnicismo significa o predomínio do caráter replicável e serial, oriundo da fabricação de objetos, em uma tarefa eminentemente humana, a educação. Considerá-la como arte, e não meramente como técnica a ser aplicada (e replicada), talvez seja uma saída possível para reverter o excesso do modelo tecnicista na formação docente. 

Portal FCM – O que representa a indicação do livro como concorrente ao Prêmio Jabuti?
Kelly Cristina – Acredito que meu livro esteja entre os dez finalistas do Prêmio Jabuti devido ao ineditismo no tratamento da temática relativa à inclusão escolar. No lugar de apresentar novas e eficientes metodologias ditas inclusivas, meu texto privilegia o questionamento do contemporâneo furor includenti, o qual proclama o ideal para todos, totalizante, muitas vezes em detrimento da singularidade de cada um.  A fundamentação teórica também é inédita, pois apresenta uma interlocução entre teorizações dos filósofos Hannah Arendt e Walter Benjamin, no que tange à ruptura da tradição e ao declínio da experiência narrativa na sociedade contemporânea, e proposições psicanalíticas do pensamento lacaniano relativas ao discurso, enquanto laço social, utilizadas como fundamento para a análise da ascensão do saber especializado. A indicação ao Prêmio Jabuti possibilita a ampla divulgação dessas ideias e a continuidade dessa discussão.



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