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Isabela Neves, médica-residente do terceiro ano em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, esteve no período de 14 a 23 de abril atendendo a população indígena ianomâmi na região de Surucucu, em Roraima. O polo de atendimento fica na fronteira do estado com a Venezuela. Em 20 de janeiro, o Ministério da Saúde havia declarado Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional devido à situação pela qual a etnia passa.
Isabela relata que a experiência começou com os fundadores da ONG Expedicionários da Saúde (EDS) conversando com professores da FCM, de onde surgiu o convite para que os alunos do Programa de Residência Médica (PRM) participassem do projeto.
O povo ianomâmi enfrenta crise há alguns anos. A devastação causada pelo garimpo ilegal atinge diretamente os indígenas, que estão passando fome devido aos rios contaminados. Além disso, a população enfrenta o frio, que vem aumentando com as mudanças climáticas.
“Vemos rios amarelos devido ao mercúrio proveniente do garimpo. As pessoas do território perderam seu meio de vida: não conseguem usar os rios para pescar e inundar a plantação para roça. Além disso, há a situação de violência com os garimpeiros e subjugação do povo indígena, que passa fome e por isso é usado como escravo sexual e de trabalho”, conta Isabela.
“A ONG fez parceria com o governo federal para ajudar a montar um polo de atendimento para que esses pacientes graves fossem estabilizados e tratados de comorbidades como desnutrição, antes de serem encaminhados para Boa Vista”, continua a residente. Os voluntários trabalharam em conjunto com médicos da família que estão no polo, prestando assistência às pessoas internadas.
Isabela participou com duas colegas do PRM, Fernanda Gonzalez e Amanda Gil, sendo a primeira a viajar. A aluna relata os principais casos clínicos que presenciou na área de Pediatria. “Eles enfrentam a desnutrição do tipo marasmo, o mais grave, que ocorre quando o paciente tem insuficiência de proteína e carboidrato. Devido a se aquecerem perto de fogueiras, a maioria das crianças tem asma, que evolui para doença pulmonar obstrutiva crônica muito cedo. Além disso, ainda enfrentam verminoses e malária. São doenças que durante toda minha formação médica nunca tinha visto nessa gravidade”.
“Foi uma experiência muito enriquecedora do ponto de vista médico, por ter contato com especialistas e entender como gerenciam um momento de crise na saúde, com casos extremamente graves. Também me marcou muito, como ser humano, atender essa população tão vulnerável e à margem da sociedade”, aponta a residente, lembrando, além das doenças, o contexto socioeconômico. Isabela enumera, como ponto positivo do atendimento no polo, o arsenal terapêutico, com medicamentos para a malária, entre outros insumos médicos. “Por outro lado, fico preocupada pois ficamos por pouco tempo”.
A iniciativa teve o apoio dos professores do PRM: Andrea Fraga, supervisora do Programa de Residência Médica em Pediatria; Sérgio Marba, chefe do Departamento de Pediatria; e Roberta Alcântara, do mesmo Departamento. Os professores Ricardo Pereira e Adriana Riccetto, também do PRM, fizeram a interface entre a EDS e os residentes.
Sobre a EDS
A Associação Expedicionários da Saúde (EDS) é uma organização brasileira sem fins lucrativos, sem vinculação político-partidária e não religiosa, criada em 2003, e que tem como objetivo levar medicina especializada, principalmente cirúrgica, às populações indígenas que vivem geograficamente isoladas na Amazônia brasileira. Com 20 anos de existência e 50 expedições, já realizou 9.837 cirurgias, 70.819 atendimentos e 126.019 exames e procedimentos.
Veja também
Matéria da TV Globo sobre o centro de saúde montado em Surucucu: https://globoplay.globo.com/v/11558510/