A voz e a música como dispositivos terapêuticos
Publicado por: Camila Delmondes
01 de dezembro de 2015

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O psicanalista e professor de psicopatologia clínica na Universidade de Nice, Sofia-Antipolis, Jean Michel Vivès, esteve no dia 19 de outubro na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, ministrando uma palestra sobre a voz na psicanálise. Vivès veio a convite do Laboratório de Psicopatologia Fundamental, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM. No mesmo dia ele autografou o livro “A voz na clínica psicanalítica”, publicado pela editora Contra Capa.

   

Dramaturgo e músico com interesse especial pela ópera, antes da palestra Vivès concedeu uma entrevista, onde explica como a voz pode ajudar o psicanalista a tratar dos pacientes psicóticos e a função da música como dispositivo terapêutico.

Por que você resolveu estudar a voz na psicanálise?

Um dos sinais dos pacientes psicóticos é o fato de escutarem vozes. A partir desse interesse clínico, passei a me interessar pela voz em psicanálise, que é uma questão muito pouco tratada pelos psicanalistas em geral.

De que forma a voz pode ajudar o psicanalista a tratar o paciente?

O problema da voz na psicose é uma voz que está em excesso. No campo da neurose ou das pessoas normais, nós somos capazes de ficar surdos às vozes que, no psicótico, estão muito presentes. Meu trabalho terapêutico junto aos pacientes psicóticos vai consistir em ajudá-los a encontrar maneiras para eles próprios ficarem surdos em relação a invasão dessas vozes.

O que você irá abordar na palestra de hoje?

A palestra será mais vasta. Eu vou falar sobre as articulações possíveis entre a música e a psicanálise. Daquilo que a música permite compreender como elementos fundamentais da psicanálise.

Que tipo de música?

Todas as músicas, do clássico ao popular.

Como a música ajuda e influencia na psicanálise?

Freud dizia que ele próprio era avesso à musica. Ele se interessou por todas as artes, menos à música. É a mesma coisa para Lacan, que se interessou pelo teatro, literatura e pintura, mas não a música. Contudo, a música é uma arte que solicita escuta e a escuta é o instrumento principal do psicanalista. É muito estranho que nunca houve esse encontro entre a música e a psicanálise. Eu tento fazer esse encontro a partir do que desenvolvi sobre a noção de pulsão invocante.

O que é pulsão invocante?

A pulsão invocante é algo que Lacan acrescentou as pulsões de Freud. É uma pulsão cujo objeto é a voz.

Explique melhor?

Se tomarmos, por exemplo, o nascimento de um bebê, podemos dizer que quando ele vem ao mundo, ele grita e o grito vai ser interpretado pelo ouvido da mãe ou ambiente maternal. No início, esse grito não é um apelo, é apenas a expressão do estado de sofrimento. Somente quando esse grito for interpretado pelo ambiente maternal é que será transformado em apelo. A mãe, por sua vez vai responder ao bebê e a voz vai ressoar no ouvido a criança. Essa volta se fecha. Isto se chama pulsão invocante.

E a música?

Podemos dizer que a música, seja clássica ou tecno, recola no jogo esse circuito da pulsão invocante.

A música, então, pode alterar e influenciar o comportamento humano?

Essa é uma questão que se coloca desde o tempo de Hipócrates. Os gregos antigos destacaram os modos musicais e criavam o entusiasmo nos doentes mentais a partir da catarse. Os árabes e a Idade Média desenvolveram a musicoterapia. No século XIX, Pinel fazia escutar música nos hospitais psiquiátricos e desde o começo do século XX, colocamos nos Estados Unidos e depois na França a disciplina de musicoterapia. A ideia desse dispositivo terapêutico seria que, quando o paciente escutasse certos tipos de música, isso permitiria modificar o comportamento. Hoje em dia, todos os estudos feitos a partir dessa perspectiva não são muito convincentes.

Como explicar que em certos momentos certos tipos de música ao invés de outra?

Quando estou muito tempo afastado do Brasil, gosto de escutar Tom Jobim. Tem alguma coisa que entra em contato com nossos afetos, mas eu não penso que isso vá finalmente modificar o comportamento do paciente. Não acredito que a música cure ou trate. O que trata é a transferência, mas podemos usar a música numa relação transferencial. Mas uma música, utilizada fora do contexto da transferência, não serve para nada.

Texto e fotos: Edimilson Montalti - ARP-FCM/Unicamp



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