O modelo de imunotrombose, que concilia a ativação da hemostasia e da imunidade inata como parte de uma mesma resposta reparadora do hospedeiro a patógenos ou a lesão tecidual estéril é hoje considerado a base fisiopatológica de estados pró-trombóticos que acompanham infecções e outras formas de inflamação estéril (ex. trauma). A compreensão dos mecanismos de ativação da hemostasia na inflamação tem o potencial de refinar nosso entendimento sobre a relevância biológica da ativação da hemostasia em condições como sepse e COVID-19, bem como identificar novas formas de intervir neste processo, já que o uso de anticoagulantes clássicos vem sendo associado a falhas no tratamento destas condições. Recentemente uma via anteriormente relacionada à angiogênese e à regulação da integridade da barreira endotelial na sepse – a via do receptor Tie2 e de seus ligantes Angiopoietinas 1 e 2 - se mostrou relevante para a manutenção das propriedades anticoagulantes do endotélio na sepse. O presente trabalho tem como objetivo explorar a relevância desta via em duas outras condições em que a imunotrombose exerce papel fisiopatológico relevante que são a COVID-19 e a doença falciforme (DF). A associação entre componentes desta via e a ativação da hemostasia foi avaliada em uma coorte de pacientes com COVID-19 (30 pacientes) e quatro coortes de pacientes falciformes em diferentes estados da doença (258 pacientes). No coorte COVID-19, vesículas extracelulares (VEs) circulantes foram caracterizadas e quantificadas por citometria de fluxo e sua atividade pró-coagulante depentende de fator tecidual (TF) foi determinada. Níveis séricos de marcadores de hemostasia foram avaliados. Os níveis de Angpt1, Angpt2 e Tie2 solúvel correlacionaram-se com marcadores da coagulação e ativação plaquetária. VEs derivadas de plaquetas e células endoteliais aumentaram em pacientes com COVID-19, e foi observado um aumento significativo de VEs TF+ derivadas de células endoteliais. Além disso, os níveis de Angpt2 foram associados à expressão e atividade de TF em VEs. Nos coortes DF, observou-se aumento significativo dos níveis de Angpt2 em pacientes HbSS em todas as coortes estudadas. Um aumento significativo dos níveis de Tie2 solúvel nos pacientes HbSC foi observado em relação aos pacientes HbSS. Além disso, foi observada uma correlação positiva moderada entre Angpt2 e marcadores da ativação da hemostasia clássicos como o dímero-D e FvW, assim como, com a expressão gênica de FT. Os mecanismos celulares que medeiam esta associação ainda serão explorados em estudos in vitro. Dessa forma, a identificação de novos elementos relevantes para os estados pró-trombóticos observados em DF e COVID-19 pode ser importante para a busca de novas estratégias diagnósticas, prognósticas e terapêuticas.