Introdução: A histerectomia, que é a retirada cirúrgica do útero, é um dos procedimentos mais comuns entre mulheres no mundo. No entanto, nas últimas décadas, tem aumentado o número de mulheres que desejam manter o órgão. Nesse contexto, é essencial avaliar o valor que o útero representa para cada mulher. Um questionário autoaplicável e de fácil compreensão pode ajudar os médicos na tomada de decisão e fornecer insights sobre os motivos que levam as mulheres a preferirem manter o útero.
Objetivos: Traduzir e validar culturalmente o questionário “The Value of Uterus - VALUS” para o português brasileiro.
Sujeitos e métodos: Este foi um estudo transversal realizado com 164 mulheres com sangramento uterino anormal devido a mioma uterino ou pólipo endometrial, encaminhadas para avaliação cirúrgica em ambulatório terciário. As participantes que concordaram em participar responderam a um questionário sobre a importância do útero e os impactos de sua retirada. Mulheres com transtornos comportamentais não tratados, com dificuldades cognitivas ou sem escolaridade foram excluídas. O questionário foi traduzido por uma tradutora juramentada e revisado por três ginecologistas. Após a tradução, foi realizada uma testagem piloto com 10 mulheres para esclarecer dúvidas. As variáveis psicométricas analisadas foram consistência interna, validade de construto e confiabilidade teste-reteste. O UFSQOL foi utilizado para validação de construto, com o coeficiente de correlação de Spearman calculado. As variáveis contínuas foram descritas por média e desvio-padrão ou mediana/intervalo, e as variáveis binomiais analisadas por teste qui-quadrado. A consistência interna do VALUS foi avaliada pelo alfa de Cronbach, e os dados foram analisados no programa Intercooled Stata 16.0.
Resultados: Dentre as 164 mulheres, 96 iriam realizar histerectomia e 68 procedimentos não-histerectomia. A idade média foi de 43 anos (DP ±6,77), com uma diferença de 9 anos a mais no grupo da histerectomia (p<0,001). Mulheres deste grupo também apresentaram mais anos de estudo (p=0,042), maior número de gestações (p=0,008) e histórico mais frequente de cirurgia abdominal/pélvica (p=0,012). A maioria se considerava não branca (59,14 ). Não houve diferença estatística entre os grupos em relação ao índice de massa corporal, comorbidades prévias e atividade sexual. O escore médio do questionário VALUS foi maior no grupo não-histerectomia (15,78±6,40 vs. 13,76±6,49; p=0,036). A consistência interna (alfa de Cronbach) foi superior a 75 para todo o grupo, sendo maior no grupo não-histerectomia (0,87 vs. 0,80). Em mulheres com mioma (n=139), observou-se uma correlação negativa entre o escore de qualidade de vida do UFSQOL e o escore total do VALUS (r=-0,21; p<0,01).
Conclusão: O escore do VALUS apresentou diferença estatisticamente significativa entre mulheres que realizarão histerectomia e aquelas que não realizarão, indicando que quanto maior o escore, maior o desejo de manter o útero. A consistência interna do VALUS foi alta no grupo de mulheres brasileiras, independentemente do tipo de procedimento.