Introdução: Incongruência de gênero é a discordância entre o sexo anatômico, designado ao nascimento, e o gênero vivenciado pelo indivíduo. Pessoas frequentemente estigmatizadas e discriminadas, vivem à margem da sociedade, com necessidade de buscar formas alternativas de sobrevivência, como prostituição. No Brasil há cerca de 1 milhão de transgêneros, o equivalente a 0,69 da população, e é o país mais violento contra transgêneros no mundo. Atualmente há poucos estudos que caracterizam o assoalho pélvico de transgêneros masculinos ou femininos, não se sabendo quais influências ou fatores de risco atuam na pelve e na origem de sintomas urinários, anorretais, de prolapsos de órgãos pélvicos e sexuais.
Objetivos: Fazer uma revisão integrativa da literatura acerca do material publicado existente sobre o assoalho pélvico de pessoas transgênero, seja função ou disfunção, assim como avaliar a prevalência de disfunção de assoalho pélvico em população transgênero, seja de gênero masculino, feminino ou não-binário, com e sem hormonioterapia, com ou sem cirurgia de afirmação de gênero, com descrição de sintomas associados a incontinência urinária, fecal e/ou prolapso de órgãos pélvicos e disfunções sexuais nestas pessoas, bem como buscar se há a presença de alguma variável associada a tais disfunções nesta população.
Metodologia: Esta dissertação apresenta dois estudos: o primeiro foi uma revisão integrativa (scoping review) registrada no Open Science Framework nas seguintes bases de dados: PubMed, EMBASE, Scopus, Web of Science, Cochrane Library e Lilacs. As buscas foram todas realizadas no dia 25 de junho de 2024 por dois examinadores, com triagem e seleção dos artigos sem limitação por idioma ou acesso aos trabalhos. O estudo descritivo foi uma pesquisa online aprovada pelo CEP da UNICAMP com pessoas transgênero através de um formulário online dividido em 6 seções: 1) variáveis sociodemográficas; 2) variáveis clínicas; 3) dados antropométricos; 4) história sexual e obstétricas; 5) sintomas urinários, intestinais, sexuais e prolapso de órgãos pélvicos
Resultados: Para a revisão integrativa, um total de 35 artigos foram incluídos após revisão por dois pesquisadores. Desses, 22 foram sobre disfunção sexual, 10 sobre disfunção urinária, 7 em prolapso genital, 4 em disfunção anorretal e 8 sobre complicações pós-operatórias. A frequência de incontinência urinária variou de 15,4 a 53 , e idade, IMC, depressão foram fatores encontrados nesses estudos. A constipação foi a queixa anorretal principal (22-45,6 ). A taxa de prolapso genital pós-cirurgia de neovaginoplastia variou entre 4-7,5 e não há estudos em pessoa TM. Sobre as disfunções sexuais, o FSFI foi o questionário mais utilizado. O desejo sexual parece ser afetado pela THAG, enquanto a lubrificação e dor são alteradas em pacientes TF. As taxas de disfunção sexual em pessoas TM foram altas (54-87,8 ). Quanto às complicações, a estenose vaginal em TF e a estenose uretral e fístulas em TM foram os achados mais frequentes. Para o estudo transversal, 45 pessoas responderam ao questionário, 14 TF e 31 TM, nenhuma delas havia realizado cirurgia de afirmação de gênero. A IU e urgência/incontinência de urgência foi encontrada em 12,9 e 29 de TM. Quanto à aspectos sexuais, a maioria dos transgêneros se consideraram bissexuais, e tivemos alta frequência de desejo sexual reduzido em TF (64,2 ), alto índice de violência (57 nas TF e 70,9 nos TM).
Conclusão: A revisão integrativa encontrou que a disfunção sexual foi a alteração de assoalho pélvico mais estudada e a frequência dos sintomas alterados em assoalho pélvico foi alta. Porém, faltam estudos com ferramentas específicas para pessoas transgênero. O estudo descritivo encontrou alta frequência de sintomas disfuncionais de assoalho pélvico em pessoas transgênero, assim como alto índice de violência sexual.