Esta tese objetivou compreender processos de subjetivação (relação de sujeito e assujeitado) de mulheres em liderança intramuros (encarceradas) e extramuros (líderes de diferentes segmentos da sociedade) e a dimensão do governo de si mesmas. Além disso, buscamos identificar práticas de cuidado de si; promover reflexão e aprendizado sobre os conceitos filosóficos apresentados e estimular uma narrativa de si parresiástica. Trata-se de uma pesquisa intervenção, com forte referência teórica da filosofia de Michel Foucault.
A produção dos dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas de forma online e também presencial. Participaram do estudo 19 mulheres em liderança no total, sendo 10 mulheres da penitenciária feminina de uma unidade do interior do Estado de São Paulo e 9 mulheres em liderança de diferentes segmentos. Das 17 perguntas existentes no roteiro de entrevista que estava dividido em três eixos (cuidado de si; verdade e governo de si), selecionamos 7 questões para realizar a análise de dados, contemplando questões de todos os eixos.
Para tanto, foi utilizada a perspectiva da análise de conteúdo, todavia, combinada com uma implicação discursiva, ou seja, ainda que não tenhamos adotado a análise do discurso como método de análise de dados, tanto na seleção das participantes (selecionar participantes icônicas), quanto na apreciação dos dados, esse “cuidado” foi seguido. Os resultados apontam para a criação de 7 categorias de análise, a saber: “Cuidado como um processo: do outro ao si”; “Os dois cardápios: Jumbo e Michelin”; “Subjetividades e direitos desrespeitados”; “A verdade sobre si: dos limites do autoconhecimento ao diferencial de acesso à psicoterapia”; “A gestão do governo de si: limites e expressões simbólicas”; “Prisões internas e linhas de fuga da alma” e “As expressões do poder”;
Podemos concluir que ficou evidente os diferentes acessos a que esses dois grupos de mulheres possuem; que cuidar de si mesmas é sempre um processo, não é direito líquido e certo, além da clara observância de que todas, independente de privilégios ou não, somos atingidas em algum nível pelas pressões, opressões, padrões e tantos outras cobranças sobre a performance feminina. Estamos todas presas. Neste estudo foi possível encontrar os assujeitamentos mais expressivos em razão do gênero, as “grades”. Mas também evidenciou que as chamadas “lideranças intramuros” (mulheres encarceradas) não são “cidadãs de segunda categoria”. O contexto em que a pesquisa foi realizada rompe esse paradigma e demonstrou que o potencial, o interesse a disponibilidade para esse trabalho interno existe e resiste. Estão ávidas por essa “oportunidade”, e, nesse sentido, há uma intersecção entre os lados dos muros: desejam cuidar melhor de si mesmas. As prisões do feminino nos falam sobre isso, mas também sobre as possibilidades de solturas do si (governo de si), breves oportunidades de consciência sobre si mesmas, que configuraram certa libertação e escape do assujeitamento.